Por BdF
Após mais de um ano de tensões diplomáticas, Burkina Faso, Mali e Níger deixaram oficialmente de fazer parte do principal grupo político e comercial da África Ocidental, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao). O comunicado oficial da organização foi dado nesta quarta-feira (29) pelo presidente Omar Alieu Touray.
Nas vésperas da retirada definitiva, a população dos três países saiu às ruas das capitais para celebrar a decisão e apoiar suas juntas militares, que formam a Aliança dos Estados do Sahel (AES).
“Hoje foi o dia de confirmar e reafirmar nosso desejo definitivo e irreversível de sair dessa organização, que é contra o povo, e não a favor do povo”, comemorou a nigerina Falmata Taya, em Niamei.
No país vizinho, Burkina Faso, Asseta Salogo foi uma das presentes na capital Uagadugu. “Há muito tempo que esperávamos por esta decisão. Neste momento, estamos dizendo: Cedeao vá embora, para sempre. Não podemos voltar atrás”, pontuou.
Bloco ligado à França
O bloco é visto como uma ameaça à soberania da região, principalmente por sua proximidade com a França. É o que explica Mamane Sani Adamou, secretário geral e um dos fundadores da Organização Revolucionária pela Nova Democracia (ORDN), partido criado em 1992 no Níger.
“Um dos três eixos da política externa da França na África Ocidental é, em primeiro lugar, manter os nossos Estados no domínio francês e não aceitar a verdadeira independência. Em segundo lugar, lutar contra a influência da Nigéria. Terceiro, assumir o controle das organizações regionais. Então não é necessário que as organizações regionais se tornem importantes. Elas devem estar sempre sob supervisão. E atualmente a Cedeao é financiada por Paris. No orçamento do Cedeao há dinheiro francês”, analisa Adamou.
Níger, Mali e Burkina Faso já haviam anunciado sua retirada da Cedeao em janeiro de 2024, mas as normas que regem a organização determinam um período de um ano para que a saída de seus Estados membros seja oficializada.
A ruptura foi desencadeada pelo golpe de Estado de 26 de Julho de 2023 no Níger. Logo após o levante que destituiu o ex-presidente Mohamed Bazoum, a Cedeao ameaçou intervir militarmente para reintegrar o presidente deposto. O bloco também impôs severas sanções econômicas ao Níger, consideradas “desumanas, ilegais e ilegítimas” pela população do país e seus governantes.
“A reação do Cedeao foi a de suspender o Níger, o que é lógico nos textos do Cedeao, mas também houve um conjunto de medidas. O fechamento das fronteiras, o congelamento dos ativos do Níger nos bancos, os ativos do Estado, não somente dos dirigentes da junta militar, mas de todo o Estado do Níger. O fornecimento de eletricidade também foi cortado, mesmo o governo tendo um contrato de longo prazo com a Nigéria”, pontua Adamou, relembrando os impactos das sanções.
A criação da AES
O crescente isolamento dos três países em relação ao seus vizinhos motivou Mali, Níger e Burkina Faso a formar a Aliança dos Estados do Sahel (AES) em setembro de 2023. A AES não só reforçou a cooperação econômica entre os seus membros, mas também se consolidou como um importante pacto militar contra ameaças externas.
Como medida mais recente, os três países firmaram a criação de uma força conjunta de 5 mil militares para o combate aos grupos fundamentalistas islâmicos no Sahel.
Habibou Mouftaou é presidente do Movimento Emergência Popular pelo Desenvolvimento do Níger, uma das mais importantes organizações populares da nação africana. Ele vê avanços na situação política e social de seu país após a formação da AES.
“O país estava no caos, em dificuldades. Mas hoje, no espaço de dois anos, assistimos a uma mudança categórica em muitas áreas através dessas autoridades. Portanto, a relação entre nós e as autoridades é uma relação ideológica. São pessoas revolucionárias e anti-imperialistas. Hoje, essas autoridades tiveram coragem de dizer ao exército francês para deixar o país. Isso nunca existiu em nosso país há mais de 60 anos”, enfatiza Mouftaou.
Passaporte biométrico
A retirada dos três membros fundadores deixa o futuro da Cedeao incerto, justamente no ano em que se comemora o aniversário de 50 anos do bloco político e econômico regional criado em 1975. A organização fica agora com 12 países membros. “Temos uma série de desafios e não estamos alheios à magnitude desses desafios”, colocou Omar Alieu Touray, presidente do bloco.
Em declaração à imprensa divulgada no dia do anúncio, a Cedeao manteve “as portas abertas” aos países da AES, pontuando que irá permitir que os cidadãos das três nações “continuem a usufruir do direito de livre circulação e de isenção de visto”, além de “reconhecer os passaportes e carteiras de identidade com logo da Cedeao” até segunda ordem.
Um dia após a saída oficial, os três países da AES anunciaram um passaporte único, que já entrou em vigor. Além de simplificar as viagens entre as três nações, o novo passaporte biométrico é visto como um passo importante para estabelecer uma identidade independente para os estados do Sahel.
“A AES é o renascimento de África. E penso que todos os países que aspiram ao renascimento de África devem aderir à AES”, celebra o malinês Nestor Podasse, direto das ruas de Kangaba.