
Nova Iguaçu voltou ao mapa da violência com um peso que não pode mais ser ignorado. Com uma taxa de 35,8 homicídios por 100 mil habitantes, o município da Baixada Fluminense se junta a cidades vizinhas como Belford Roxo, Queimados e Duque de Caxias para compor um cinturão de insegurança que desafia as estatísticas e os discursos oficiais. Mais do que um número, esse índice revela uma rotina de medo, onde a presença do Estado se resume ao giro das viaturas e à esperança de que o próximo tiro não seja no portão de casa.
Os dados do Atlas da Violência 2024 escancaram um fenômeno que já era percebido nas ruas: a Região Metropolitana do Rio de Janeiro continua sendo um dos territórios mais perigosos do país, com índices de homicídios que, em muitos casos, superam capitais como Salvador, Fortaleza e Belém. Enquanto os holofotes se voltam para a Bahia, onde cidades como Jequié (91,9 homicídios por 100 mil hab.) lideram o ranking nacional, o cotidiano em bairros como Comendador Soares, Austin e KM 32, em Nova Iguaçu, mostra que a violência na Baixada não ficou para trás — só foi esquecida.
O que diferencia a violência na Região Metropolitana do Rio é o seu caráter fragmentado e silencioso. Os batalhões da Polícia Militar, como o 20º BPM (Mesquita/Nova Iguaçu) e o 15º BPM (Duque de Caxias), têm intensificado as ações ostensivas, com blitzes, patrulhamentos e operações em áreas dominadas por milícias e tráfico. São batalhas diárias travadas em ruas esburacadas, vielas estreitas e comunidades onde o acesso é negado não apenas pela geografia, mas pelo medo.
Apesar do esforço constante das forças policiais, há uma barreira invisível que desafia qualquer planejamento estratégico: a cumplicidade de parte da própria população com o crime organizado. É comum ver moradores escondendo foragidos, alertando sobre a chegada de viaturas ou até enfrentando operações para proteger aqueles que, paradoxalmente, também os oprimem. Não são poucos os casos de confronto entre agentes e civis, numa inversão de valores onde o inimigo é quem tenta aplicar a lei.
Esse comportamento, por mais chocante que pareça, é fruto de décadas de abandono. Quando o Estado se retira, outro se instala. Em muitas dessas comunidades, é o traficante ou o miliciano quem resolve conflitos, paga enterros, garante o gás ou distribui cestas básicas. É esse “serviço social informal” que confunde o papel de herói e vilão, e transforma a polícia em intrusa.
A violência em Nova Iguaçu e arredores não é apenas fruto da criminalidade — ela é também consequência direta da falta de políticas públicas duradouras, da ausência de infraestrutura básica, e de governos que preferem ignorar a Baixada para não se comprometer com ela. Os batalhões, muitas vezes com efetivo reduzido e estrutura precária, fazem o que podem. Mas combater o crime com fuzil em uma mão e falta de investimento na outra é tarefa inglória.
Na capital, a taxa de homicídios está em 21,3 por 100 mil, ainda abaixo da média de Nova Iguaçu, Belford Roxo (35,8) e Duque de Caxias (39,7). São João de Meriti e Magé também figuram entre as mais violentas da região. Itaguaí, com 59,9 homicídios por 100 mil habitantes, assusta até especialistas. A média nacional é de 22,8, o que só evidencia o colapso da segurança pública fluminense.
Enquanto isso, o cidadão de bem tenta sobreviver entre balas perdidas, toques de recolher informais e o peso da dúvida: de que lado está a esperança? Quando um território defende os próprios algozes, e quando o medo fala mais alto que a lei, resta à sociedade o papel de refém — de um sistema falido e de uma guerra sem vencedores.
A verdade é que Nova Iguaçu grita todos os dias por socorro. Mas o eco desse grito parece se perder entre gabinetes que preferem discutir alianças eleitorais a soluções reais. E a cada silêncio do poder público, uma bala encontra um corpo. Porque, na Baixada Fluminense, a estatística não dorme — ela mata.
Por: Editoria.