Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, enfrenta um desafio duplo após as devastadoras chuvas e inundações que assolaram a cidade desde o final de abril: a reconstrução física e a recuperação emocional de sua população. As consequências psicológicas dessas calamidades têm sido particularmente severas para os moradores com renda familiar inferior a R$ 1,5 mil, que apresentam níveis significativamente mais altos de ansiedade, depressão e síndrome de burnout em comparação com aqueles cuja renda familiar supera os R$ 10 mil.
Uma investigação conduzida por psiquiatras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com apoio da Rede Nacional de Saúde Mental (Renasam), está lançando luz sobre essa problemática. Iniciado em meados de maio, o estudo visa analisar o impacto das enchentes na saúde mental dos porto-alegrenses e proporcionar dados fundamentais para a elaboração de políticas públicas de saúde.
Os resultados preliminares do estudo revelam uma situação alarmante: 100% dos entrevistados com renda familiar abaixo de R$ 1,5 mil relataram sofrer de ansiedade, em contraste com 86,7% daqueles com renda familiar acima de R$ 10 mil. A depressão atinge 71% das pessoas no estrato de menor renda, enquanto apenas 35,9% das pessoas de renda mais alta relatam o mesmo problema. A síndrome de burnout, caracterizada por estresse, exaustão extrema e esgotamento físico, afeta 69% das famílias de baixa renda, comparado a 47% das famílias de renda mais elevada.
Esses dados foram coletados através de questionários online, autopreenchidos por indivíduos contactados via WhatsApp pela Renasam ou que acessaram um QR code disponível em locais públicos, como o Hospital de Clínicas e abrigos. A pesquisa, que será conduzida ao longo de um ano, inclui um acompanhamento periódico da saúde mental dos afetados.
Simone Hauck, coordenadora do estudo, destacou a importância de divulgar esses primeiros resultados para aumentar a conscientização sobre a pesquisa e incentivar a participação. “O estresse pós-traumático crônico torna-se mais difícil de tratar com o passar do tempo”, explica Hauck. Portanto, a identificação precoce e o acompanhamento contínuo são cruciais para mitigar os impactos a longo prazo.
A autorização dos comitês de ética científica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e da prefeitura municipal garantiu a legitimidade e a conformidade ética da pesquisa. Além disso, médicos e pesquisadores estão realizando esse trabalho de forma voluntária, refletindo um comprometimento com a saúde mental da comunidade.
Este estudo não apenas fornece uma visão detalhada do impacto das enchentes na saúde mental da população, mas também busca oferecer subsídios essenciais para a formulação de políticas públicas eficazes. A esperança dos pesquisadores é que essas informações contribuam para um atendimento mais direcionado e eficiente, ajudando Porto Alegre a se recuperar não apenas fisicamente, mas também emocionalmente, das adversidades recentes.