Por BdF
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o economista Gabriel Galípolo preside, nesta quarta-feira (29), sua primeira reunião para definição da taxa básica de juros desde que assumiu a presidência do Banco Central (BC), no início deste ano. E os agentes do mercado financeiro aumentaram ainda mais a pressão para que ele atue pela elevação da Selic, hoje em 12,25% ao ano.
A taxa Selic é um instrumento de política monetária para o controle da inflação. Quando a taxa sobe, ela causa a alta de juros cobrados em empréstimos e financiamentos. A alta adia decisões de compra e investimentos e tende a arrefecer os preços na economia nacional.
Os preços estão em alta no país, isso é um fato. A inflação fechou 2024 em 4,83% – ou seja, acima da meta de até 4,5% – e já levou o Copom a iniciar uma sequência de elevações da taxa básica de juros em agosto, ainda sob a gestão do bolsonarista Roberto Campos Neto.
Os bancos – os grandes beneficiados com os juros altos – têm indicado, no entanto, que essas elevações são insuficientes para conter a inflação. Do final do ano passado até a semana passada, eles subiram sua expectativa para a inflação de 2025 de 4,96% para 5,08%, reforçando a necessidade de novos aumentos da Selic.
Já nesta semana, aquela em que Galípolo presidirá a reunião do Copom sobre os juros, o sistema financeiro elevou a previsão ainda mais: de 5,08% para 5,50%. Foi a maior mudança de projeção em 12 meses.
Como funciona a pressão?
As expectativas dos bancos sobre a inflação e outros indicadores econômicos são registradas semanalmente no Boletim Focus. O documento é elaborado e divulgado pelo BC justamente para mostrar o “ânimo” do mercado financeiro sobre a economia.
Acontece que o “ânimo” do mercado financeiro interfere na decisão do Copom sobre os juros. Se os bancos indicam que a inflação tende a subir, o Copom tende a elevar a Selic – mesmo que essa indicação não se sustente no futuro, o que acontece com frequência.
Isso quer dizer que a mudança brusca da expectativa dos bancos de uma semana para outra joga ainda mais pressão sobre Galípolo para que ele vote por um aumento de juros.
Manipulação?
Essa relação entre o Boletim Focus e as decisões do Copom, aliás, já levantaram suspeitas de que as expectativas dos bancos possam estar sendo definidas justamente para influenciar as decisões do comitê sobre a Selic.
Em junho do ano passado, o programa ICL Notícias realizou um estudo sobre o Focus indicando a manipulação das previsões sobre inflação justamente para coibir um eventual corte da Selic. Segundo Eduardo Moreira, ex-banqueiro e apresentador do ICL, alguns bancos teriam elevado exageradamente suas previsões sobre inflação para influenciar na expectativa média, que acaba sendo registrada no Boletim Focus.
O estudo divulgado no programa levou o Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), a pedir que o tribunal apure a influência de bancos na Selic. O BC foi procurado algumas vezes pelo Brasil de Fato para comentar o caso, mas não se pronunciou.
O BdF pediu o detalhamento das expectativas do mercado ao BC via Lei de Acesso à Informação (LAI). O BC negou a divulgação. Naquela época, a mudança de expectativa não foi tão brusca quanto agora.
Mudança justificada?
A alteração brusca de expectativas dos bancos sobre a inflação brasileira justamente às vésperas da reunião do Copom chamou atenção de economistas ouvidos pelo BdF. A maioria deles não viu justificativa para tamanha alteração de previsão.
“Fiquei surpreso com a mudança. Não vi nenhum fato novo relevante para justificar uma mudança de quase 0,5 ponto percentual na expectativa do IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação oficial do país]”, disse Pedro Faria.
“Não vi nenhum sinal que justificasse esse aumento na última semana. Inclusive o IPCA-15 [prévia da inflação] mostrou queda com o menor janeiro da série histórica”, reforçou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Depois de falarem tanto sobre o efeito do dólar [na inflação], [economistas de bancos] ignoram a queda de mais de 4% no câmbio ao longo de janeiro”, apontou Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps). “Parece pouco razoável subir a previsão tão fortemente de uma semana para outra.”
Miguel de Oliveira, diretor-executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), destoou dos colegas e viu um aumento de desconfiança de agentes do mercado sobre o governo, contaminando expectativas sobre todos os indicadores econômicos, inclusive a inflação.
Agenda Campos Neto
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, não viu razões para a mudança na projeção do IPCA, mas ressaltou que ela tem, sim, impacto sobre as decisões do Copom. “A mudança de expectativa é uma sinalização de posição do mercado para que não haja mudanças no viés de alta dos juros [já comunicado no final de 2024]”, disse ele. “Uma ‘pancada de juros’ seria o sonho do mercado.”
Mateus de Albuquerque, doutor em Ciência Política, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/Representação e Legitimidade Democrática (INCT/ReDem), disse que os bancos pressionam Galípolo para tentar manter em sua gestão a política adotada na gestão de Campos. “Há uma tentativa de ‘capturar’ o Galípolo”, disse ele. “A agenda Campos Neto é manter os juros alto até que Lula saia do poder.”
Tanto Albuquerque quanto Cantelmo ressaltam que não têm como afirmar que bancos estão “falseando” expectativas para pressionar Galípolo. “Não podemos cravar uma manipulação de instituições financeiras, pura e simples, mas sim um viés ideológico, que vê como problemática uma economia com pleno emprego e gastos sociais”, acrescentou Dantas.
Soluções
Albuquerque defende que o Copom deixe de ser tão dependente do Focus para definir os juros. “O Boletim Focus acaba se tornando uma profecia autorrealizável dos bancos”, criticou. “O governo tem técnicos para produzir estudos que levem em conta a expectativa do mercado, mas não só essa expectativa”.
Weiss recomenda uma mudança no sistema de metas de inflação do BC para que choques de preços como os causados pela alta do dólar não acarretem mudanças tão bruscas na Selic. Para ele, a meta de até 4,5% fixada para 2025 poderia ser mais alta e levar em conta um horizonte de dois anos.
Já Dantas defende uma pressão da sociedade e políticos sobre o BC mais forte do que a dos bancos. Assim, a expectativa do mercado sobre a inflação deixaria de ser tão relevante quanto é hoje.
Dantas também defende maior pressão sobre Galípolo. Ele foi indicado por Lula após o presidente criticar publicamente Campos Neto. Até agora, no entanto, vem adotando um discurso de continuidade no BC. “Até aqui Galípolo vem mostrando que será uma continuidade do Campos Neto, o que inclusive irá manchar a imagem do presidente Lula”, alertou.