
Começa nesta terça-feira (8), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a discussão sobre o Novo Código Eleitoral – um conjunto de quase 500 páginas que, se aprovado até outubro, pode já valer para as eleições de 2026. A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados e traz uma série de mudanças que, sob a justificativa de organizar e consolidar a legislação eleitoral, na prática pode significar menos fiscalização, mais espaço para irregularidades e proteção para os partidos políticos.
A relatoria no Senado está nas mãos do senador Marcelo Castro (MDB-PI), o mesmo responsável pela reforma eleitoral de 2021, e ele promete um parecer ainda neste mês.
Erros de até 10% nas contas dos partidos poderão ser “tolerados”
Um dos trechos mais polêmicos da proposta trata da prestação de contas dos partidos. O novo código prevê que erros ou irregularidades de até 10% no uso dos recursos públicos – como o Fundo Partidário – poderão ser ignorados ou aprovados com “ressalvas”, sem punições.
Isso significa, por exemplo, que um partido que receba R$ 500 milhões poderá justificar irregularidades de até R$ 50 milhões com a simples alegação de que não houve “má-fé”. Basta alegar que o recurso foi usado para incentivar a participação feminina ou de pessoas negras na política, ainda que sem comprovação documental.
Especialistas em direito eleitoral criticam fortemente essa margem de tolerância. O advogado Alberto Rollo foi direto: “2% já seria muito. 10% é inadmissível. Estamos falando de dinheiro público, e isso não pode ser tratado como se fosse algo menor.”
Doações com limites, mas ainda com espaço para manobras
Outro ponto relevante é o limite para doações de campanha. O novo código estabelece que pessoas físicas só podem doar até 10% da sua renda bruta anual. Contudo, se a campanha tiver teto de gastos de até R$ 120 mil (como ocorre em campanhas de vereador em cidades pequenas), o limite sobe para 30% da renda.
Há também um teto absoluto: ninguém poderá doar mais do que R$ 2.855,97 por campanha, salvo exceções previstas em lei. Doações acima de R$ 2 mil só poderão ser feitas por transferência bancária identificada (TED ou PIX), o que pretende evitar a circulação de dinheiro vivo e dificultar o caixa dois.
Na teoria, as regras parecem rígidas. Na prática, a margem de manobra para candidatos com grandes apoiadores e estrutura financeira continua existindo.
Pesquisas eleitorais sob novas exigências
O projeto também traz mudanças importantes sobre as pesquisas eleitorais. Agora, institutos precisarão estar previamente cadastrados, declarar o nome do estatístico responsável e a origem dos recursos. Além disso, sempre que forem divulgadas, as pesquisas deverão informar comparações com levantamentos anteriores, o que pode dar maior clareza, mas também abrir margem para politização.
Na prática, essas exigências podem dificultar o trabalho de institutos menores, que terão mais obstáculos burocráticos, enquanto os grandes grupos continuam com espaço garantido para influenciar o debate.
Participação da sociedade nas auditorias das urnas é ampliada, mas ainda limitada
O novo código prevê que órgãos públicos, universidades e entidades da sociedade civil organizada poderão participar mais ativamente das auditorias do sistema eletrônico de votação – incluindo o acesso ao código-fonte das urnas.
Porém, essas entidades ainda estarão sob o comando da Justiça Eleitoral, o que levanta dúvidas sobre a real independência desse processo de fiscalização.
Crimes eleitorais: só serão punidos se forem considerados “graves”
Um ponto bastante criticado é que a cassação de mandato por crime eleitoral passaria a depender da “gravidade” da infração. Em outras palavras, mesmo se um candidato cometer uma ilegalidade durante a campanha, só será punido se a Justiça entender que a infração teve impacto direto no resultado das eleições.
Essa subjetividade pode enfraquecer a fiscalização e abrir brechas para abusos, principalmente em disputas locais, onde qualquer desequilíbrio pode ser decisivo.
Uso da internet e inteligência artificial ganha regras
A proposta trata também do uso das redes sociais e inteligência artificial nas campanhas. Pré-candidatos poderão promover sua imagem na internet, desde que não ultrapassem 10% do limite de gastos da campanha oficial.
Também ficam proibidas ações com robôs, perfis falsos e uso de IA sem aviso claro ao eleitor. A intenção é combater a disseminação de fake news, mas o texto não especifica os mecanismos de fiscalização, o que pode tornar essas regras ineficazes na prática.
Cotas raciais e de gênero mantidas, mas fiscalização continua frágil
O novo código mantém a obrigação de distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral entre candidatos brancos e negros, homens e mulheres, além da reserva mínima de 30% do fundo para candidaturas femininas.
Contudo, não há mecanismos mais rígidos de fiscalização sobre o uso efetivo desses recursos, o que, segundo especialistas, mantém o risco de candidaturas laranja ou uso indevido das cotas.
Violência política contra mulheres será criminalizada
Uma das mudanças mais positivas é a tipificação da violência política contra a mulher como crime, com pena de até 4 anos de reclusão. A pena pode ser aumentada se a vítima for idosa, negra, gestante ou tiver deficiência.
Essa medida reforça a proteção de mulheres no espaço político, mas sua aplicação dependerá da agilidade da Justiça e da conscientização da sociedade.
Criação de novos partidos será mais difícil
Atualmente, para criar um partido político, é necessário obter cerca de 500 mil assinaturas. Com o novo código, esse número sobe para quase 3 milhões. A intenção é evitar a proliferação de legendas de aluguel, mas a medida também pode dificultar a criação de partidos por movimentos legítimos, limitando a pluralidade política.
Tribunal Superior Eleitoral terá critérios mais rígidos para indicações
O projeto propõe que as indicações para o TSE passem a seguir regras mais transparentes. Por exemplo, os advogados indicados precisam ter paridade de gênero nas listas (um homem e uma mulher) e não podem ter sido filiados a partidos políticos nos últimos 4 anos.
A medida visa evitar nomeações políticas, mas ainda não resolve a influência partidária nos tribunais eleitorais.
Conclusão: reforma feita por quem já está no poder, para manter o poder
Apesar de embalada como uma modernização do sistema, a proposta do Novo Código Eleitoral facilita a vida dos partidos políticos e fragiliza os mecanismos de controle e fiscalização. Ao suavizar punições, dificultar auditorias independentes e manter a subjetividade em decisões judiciais, o texto cria um ambiente ainda mais permissivo para abusos.
Trata-se de uma reforma feita de cima pra baixo, por quem já está no poder – e que, ao que tudo indica, está mais preocupado em manter privilégios do que em fortalecer a democracia.
Por: Arinos Monge.