
Enquanto o crime organizado se espalha por todos os cantos do país, índices de homicídios e outras formas de violência revelam um Brasil cada vez mais ameaçado pela insegurança.
O Brasil vive uma escalada preocupante de violência que ultrapassa os limites das estatísticas. O que antes era concentrado em determinados bolsões urbanos, hoje se espalha por todo o território nacional. Segundo um levantamento inédito da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), 88 facções criminosas operam no país, sendo 46 delas no Nordeste — uma região que se tornou epicentro da disputa sangrenta entre grupos rivais.
A Bahia lidera esse mapa, com 21 facções ativas, seguida por Ceará (10), Rio Grande do Norte (6) e Maranhão (5). No Sudeste, destacam-se Rio de Janeiro e São Paulo como centros históricos de facções como Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) — organizações que hoje já operam em quase todos os estados, inclusive no interior e em áreas de fronteira internacional.
Esse avanço criminoso é refletido em dados alarmantes de homicídios e violência urbana, conforme os números do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Atlas da Violência 2023, publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Ipea
Os estados mais letais do país
A violência não é uniforme no Brasil. Estados da região Norte e Nordeste concentram as piores taxas de homicídio por 100 mil habitantes. Os dados mais recentes (referentes a 2022) revelam:
- Amapá – 128,1 homicídios por 100 mil habitantes
- Bahia – 114,9
- Pernambuco – 99,6
- Pará – 98,3
- Ceará – 97,1
- Roraima – 93,2
- Alagoas – 88,4
Na contramão dessa tendência, estados como São Paulo (10,5) e Santa Catarina (16,7) registram as menores taxas, atribuídas a políticas de repressão ostensiva, tecnologia e controle territorial por facções que impõem suas próprias regras.
As cidades mais violentas do Brasil
Quando o recorte desce para o nível municipal, os dados são ainda mais impactantes. Sete das dez cidades mais violentas estão no Nordeste:
- Santana (AP) – 92,9 mortes violentas por 100 mil habitantes
- Camaçari (BA) – 90,6
- Jequié (BA) – 84,4
- Sorriso (MT) – 77,7
- Simões Filho (BA) – 75,9
- Feira de Santana (BA) – 74,5
- Juazeiro (BA) – 74,4
- Maranguape (CE) – 74,2
- Macapá (AP) – 71,3
- Eunápolis (BA) – 70,4
A concentração na Bahia evidencia o descontrole sobre o território e a falência das políticas de segurança pública locais.
A violência que silencia mulheres, jovens e minorias
O Atlas da Violência também chama atenção para as vítimas esquecidas nos noticiários: mulheres, população LGBTQIA+ e jovens negros. De 2011 a 2021, mais de 48 mil mulheres foram assassinadas no país, sendo 66% delas negras. A letalidade entre jovens negros também salta aos olhos: a cada 10 jovens assassinados, 8 são negros.
Em relação à população LGBTQIA+, os casos de violência cresceram 14,6% para homossexuais e 50,3% para bissexuais entre 2020 e 2021, revelando um ambiente hostil e de preconceito disseminado.
Letalidade policial: o outro lado da moeda
O aumento da repressão também acende o alerta para o número de mortes decorrentes de intervenções policiais. Em Jequié (BA), por exemplo, mais da metade dos homicídios (55,2%) foram causados por ações policiais. Em Angra dos Reis (RJ), esse índice sobe para 63,4%.
Embora o discurso oficial sustente que essas ações visam combater o crime, os dados expõem uma realidade de excesso, ausência de inteligência e uso desproporcional da força.
Um custo que vai além das vidas perdidas
A violência não destrói apenas corpos, mas também a economia. O Atlas da Violência calcula que o impacto financeiro das mortes de jovens equivale a 1,5% do PIB nacional, ou aproximadamente R$ 150 bilhões por ano. Uma perda que compromete o desenvolvimento e perpetua o ciclo da pobreza e exclusão social.
O país das facções e da impunidade
A expansão das facções é impulsionada por falhas estruturais no sistema prisional, ausência de políticas de prevenção, corrupção policial e impunidade generalizada. O crime organizado hoje não se resume ao tráfico de drogas: domina transporte alternativo, jogo do bicho, milícias, garimpo ilegal e até contratos públicos.
Entre o medo e a esperança
O Brasil atravessa uma fase decisiva. O crescimento do crime organizado e da violência urbana é sintoma de um Estado que perdeu o controle sobre partes do seu território. Combater essa realidade exige políticas integradas de segurança, investimentos em inteligência, revisão do sistema prisional e, principalmente, uma agenda social robusta para retirar jovens da rota do crime.
Se nada for feito, os dados que hoje chocam serão, em breve, apenas estatísticas de um país que normalizou a barbárie.
Por: Editoria.