
Lucy, uma das figuras mais emblemáticas da paleoantropologia, acaba de ganhar um rosto. E quem deu forma a essa ancestral da humanidade foi o designer brasileiro Cicero Moraes, conhecido por suas reconstruções faciais que misturam precisão científica e sensibilidade artística. O fóssil de Australopithecus afarensis, descoberto em 1974 no deserto de Afar, na Etiópia, foi recriado digitalmente por Moraes e uma equipe internacional para uma exposição inédita na Europa, no Museu Nacional da República Tcheca. É a primeira vez que os fósseis de Lucy serão exibidos fora da África, e a reconstituição do seu rosto busca aproximar o público dessa figura-chave da evolução humana, que viveu há cerca de 3,2 milhões de anos.
Com 40% do esqueleto preservado, Lucy foi, por muito tempo, o fóssil hominídeo mais completo já encontrado. Seu nome veio da canção “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles, trilha sonora da celebração dos arqueólogos após a descoberta. A espécie revelou detalhes fundamentais sobre o bipedalismo, já que Lucy andava ereta — como indicam seu joelho valgo e a curvatura lombar —, mas ainda conservava traços que sugerem habilidades para subir em árvores. Ela tinha pés planos e cerca de 1,06 metro de altura, o que a coloca como um elo simbólico entre os humanos modernos e os primatas ancestrais. Apesar de durante muito tempo se acreditar que ela nos ligava diretamente aos chimpanzés, estudos genéticos mais recentes indicam que essa separação evolutiva aconteceu muito antes, talvez há mais de 13 milhões de anos.
A reconstrução do rosto de Lucy partiu de uma réplica digital de seu crânio escaneado em 3D. A equipe utilizou técnicas que combinam dados anatômicos de chimpanzés e humanos, ajustando proporcionalmente cada característica com base no que se sabe sobre a espécie Australopithecus afarensis. O trabalho resultou em três versões do rosto: uma mais artística, com pele escura e cabelo, representando a adaptação ao ambiente quente onde ela viveu; outra em tons de cinza e sem cabelos, mais técnica; e uma terceira versão, simplificada, que destaca apenas as estruturas básicas da face. Cicero Moraes destaca que o objetivo da reconstrução não é apenas apresentar uma imagem, mas usar a ciência para criar um vínculo emocional entre o público e a ancestralidade humana.
Para tornar esse projeto possível, o brasileiro contou com a colaboração de especialistas de várias partes do mundo. Da República Tcheca vieram Jiří Šindelář e Matej Šindelář, que trabalharam com a digitalização em 3D. Da Itália, os arqueólogos Luca e Alessandro Bezzi, além do pesquisador Nicola Carrara, ligado à Universidade de Pádua. A australiana Elena Varotto, da Universidade Flinders, e o paleopatólogo Francesco Galassi, atualmente baseado na Polônia, também integraram a equipe. Não é a primeira vez que Cicero Moraes trabalha com hominídeos. Desde 2012, ele e seus parceiros já reconstruíram digitalmente os rostos de 24 representantes da linhagem humana, incluindo a criança de Taung, o Paranthropus boisei e o Homo naledi. Parte dessas reconstruções está em exibição permanente em um museu na Itália.
Lucy segue sendo uma das figuras mais estudadas da evolução humana. Agora, com um rosto que atravessa o tempo, ela se torna ainda mais presente no imaginário coletivo. E o trabalho de Cicero Moraes cumpre um papel essencial: transformar dados científicos em narrativas visuais que nos lembram de onde viemos — e como ainda buscamos compreender nossa própria origem.
Por: Editoria.