
Filhotes criados por edição genética reacendem debate sobre deextinção e os limites éticos da manipulação da vida
A Colossal Biosciences, empresa americana especializada em biotecnologia, anunciou nesta segunda-feira (7/4) o nascimento dos supostos primeiros animais “deextintos” do mundo: três filhotes de lobo-terrível (Aenocyon dirus), espécie extinta há mais de 10 mil anos. Batizados de Rômulo, Remo e Khaleesi, os filhotes foram apresentados em um vídeo nas redes sociais, uivando sob os cuidados dos cientistas, e reacenderam o debate mundial sobre as fronteiras da ciência e da natureza.
A iniciativa, classificada pela empresa como “um marco para a ciência, a conservação e a humanidade”, envolve técnicas avançadas de edição genética e busca dar início a uma era de reversão da extinção — processo que a empresa batizou de “deextinção”.
Além dos lobos, a Colossal também desenvolve projetos similares com mamutes-lanosos, dodôs e o lobo-da-tasmânia.
Como foram criados os novos “lobos-terríveis”?
O projeto começou com a extração de DNA de fósseis antigos: um dente de 13 mil anos encontrado em Ohio e um pedaço de crânio de 72 mil anos desenterrado em Idaho. Com essas amostras, os cientistas sequenciaram os genes do lobo-terrível e os compararam com os do lobo-cinzento (Canis lupus), sua espécie viva mais próxima.
A partir da identificação das diferenças genéticas, foram feitas 20 edições em 14 genes do lobo-cinzento utilizando a técnica CRISPR, para que eles se aproximassem das características físicas do lobo extinto: pelagem branca, estrutura mais robusta, cabeça mais larga e vocalizações específicas.
Essas alterações foram inseridas em células progenitoras endoteliais retiradas do lobo-cinzento. O núcleo dessas células foi transferido para óvulos anucleados, que, após a formação dos embriões, foram implantados no útero de uma cachorra doméstica, que levou a gestação até o fim.
Nasceram os três filhotes: Rômulo, Remo e Khaleesi
Os dois primeiros filhotes nasceram em 1° de outubro de 2024 e receberam os nomes de Rômulo e Remo, numa alusão aos irmãos gêmeos da mitologia romana, criados por uma loba. O terceiro, batizado de Khaleesi, nasceu em janeiro deste ano e homenageia a personagem Daenerys Targaryen da série Game of Thrones, onde lobos também têm papel simbólico.
Os animais estão sendo criados em uma reserva privada nos EUA, em local não revelado, e não há previsão de soltura na natureza nem planos imediatos para sua reprodução.
Esperança científica ou ilusão genética?
Para a Colossal Biosciences, a deextinção pode ser uma ferramenta essencial para combater a atual crise da biodiversidade. Segundo o Centro para Diversidade Biológica, até 30% da diversidade genética do planeta pode desaparecer até 2050, impulsionada por mudanças climáticas e ações humanas. A empresa afirma que devolver espécies extintas seria uma “retribuição moral” da humanidade à natureza.
Beth Shapiro, cientista da Colossal, afirmou à revista Time que “precisamos dar a nós mesmos a chance de reverter algumas das coisas ruins que fizemos com o mundo”. Para ela, a edição genética também poderia ajudar a tornar espécies vivas mais resilientes ao clima extremo.
A empresa defende que grandes predadores, como era o lobo-terrível, desempenham papel vital no equilíbrio ecológico, controlando populações e mantendo o funcionamento saudável de ecossistemas.
Críticas e controvérsias: é mesmo o retorno do lobo-terrível?
Apesar do entusiasmo, muitos cientistas se mostram céticos quanto ao uso do termo “deextinção”. Para Nic Rawlence, paleogeneticista da Universidade de Otago (Nova Zelândia), os filhotes criados são, na prática, híbridos entre o lobo-cinzento e o lobo-terrível. Ele lembra que as espécies divergiram há entre 2,5 a 6 milhões de anos e pertencem até a gêneros diferentes.
“A Colossal editou 20 genes em 14 loci genéticos e chama isso de lobo-terrível. Mas, de 19 mil genes, isso representa uma fração ínfima. Eles não recriaram o animal extinto”, criticou Rawlence à BBC News.
Shapiro, por sua vez, argumenta que conceitos de espécie são construções humanas, e que se os filhotes possuem as características físicas do lobo-terrível, então eles podem ser considerados como tal, ao menos pela ótica morfológica.
Mas mesmo entre os entusiastas do projeto, há cautela. Afinal, ecossistemas modernos não são os mesmos de 10 mil anos atrás. Como reagiriam outros animais à presença de um novo “velho” predador? Os ambientes atuais têm condições de sustentar uma espécie que, no passado, vivia em bandos e demandava grandes extensões de terra?
Deextinção: avanço da ciência ou dilema ético?
O nascimento de Rômulo, Remo e Khaleesi marca, sem dúvida, um avanço biotecnológico impressionante. Mas também escancara uma série de dilemas éticos, ecológicos e filosóficos.
Até onde devemos ir? Estamos recriando a natureza ou projetando versões idealizadas dela? A ciência, como sempre, avança. Mas as respostas, talvez, estejam mais nas perguntas que deixamos para trás do que nas criaturas que agora ganham vida outra vez.
Por: Editoria.